Obra
escolhida para o 3º Ciclo - "A Bibliotecária de Auschwitz"
O autor de "A Bibliotecária de Auschwitz", António
Iturbe, disse à Lusa que este romance, assente numa história verdadeira,
"ajuda a relativizar os problemas do quotidiano" e a enfrentar
"a falta de ânimo que se abateu sobre a Europa".
O romance conta a
história de uma menina de 14 anos, Dita Kraus, que, no campo de concentração
nazi de Auschwitz, velou por oito livros como “o maior dos tesouros”, disse o
escritor à Lusa.
Na segunda-feira,
Dia Internacional da Memória do Holocausto, celebra-se o 68.º aniversário da
libertação, pelas tropas aliadas, deste campo de extermínio, na Polónia, um dia
“particularmente saudado” por Dita Kraus, atualmente com 84 anos, e que
“arriscou a vida para manter viva a magia dos livros, tendo conseguido esconder
dos nazis durante anos aquela pequena biblioteca”.
"Gente como
Dita, no sítio mais horroroso do mundo, manteve sempre alta a esperança e o
ânimo, não se deixando abater, apesar de os nazis, como criminosos
inteligentes, antes de liquidarem os corpos, matavam as almas, tentavam
torná-los gado humano".
"A
bibliotecária de Auschwitz", por outro lado, segundo o seu autor,
salienta-nos "a importância de investir nas escolas e esta gente fez um
esforço para ter uma escola e uma biblioteca [no campo], que permitiu que
aquelas crianças acreditassem num mundo melhor".
"A história, sendo triste, ajuda-nos a relativizar
problemas que enfrentamos no dia-a-dia, e a enfrentar a crise que atravessamos
e a falta de ânimo que se abateu sobre a Europa, nomeadamente em Espanha e
Portugal", destacou o autor, em declarações à Lusa.
Dita sobreviveu,
casou com o escritor Otto Kraus, em 1947, dois anos depois de ter sido
libertada do campo de concentração de Bergen-Belsem, para onde fora transferida
em 1944, “vive atualmente em Israel, onde passou a residir desde 1950, e tem
uma memória fresca”, contou o escritor.
Antonio Iturbe
fazia uma investigação sobre o campo de extermínio Auschwitz-Birkenau, quando
descobriu que existia o campo familiar, onde eram mantidos alguns agregados,
"BIIb", de Auschwitz II-Birkenau, no qual havia um barracão com 500
crianças, dirigido pelo instrutor judeu Fredy Hirsh, que era “um homem
atlético, perfeito, muito limpo, cuidado, dentro da pobreza, sempre elegante”,
e do qual se perdeu o rasto.
“Provavelmente
não sobreviveu, foi um das dezenas de milhar mortas naquele campo de chacina e
de horrores. Compilei vários dados sobre ele. Dita explicou algumas coisas e
reconstrui a personagem de forma literária, tendo-me servido para encarar
certos valores. Mas foi real e há fotos dele”, disse.
“Fredy Hirsh era
alemão e os nazis, de certa forma, 'respeitavam-no’, foi uma personagem
peculiar, um visionário e, lamentavelmente, não sobreviveu ao holocausto.
Poderia ter sido alguém importante no moderno Israel”.
Antonio G. Iturbe
encontrou Dita quando procurava na Internet o livro “The painted wall”, de Otto
Kraus, cuja narrativa se ambienta naquele barracão familiar de Auschwitz, e o
encontrou à venda “numa página doméstica", que era gerida pela própria
Dita Kraus.
"Dita
Dorachova, de seu nome de solteira, e a sua história, como todas as coisas mais
importantes da vida, surgiu-me por acaso, quando me contaram que em
Auschwitz-Birkenau havia um 'Bloco 31', e, neste lugar, escondia todas as
noites os frágeis oito volumes. Mas nem pensei que a ‘bibliotecária’ Dita ainda
fosse viva”, contou à Lusa Antonio Iturbe.
Jornalista, Iturbe começou por perspetivar uma reportagem
sobre Auschwitz, depois achou que “podia dar mais” e lançou-se num ensaio. “Com
cerca de cem páginas escritas, tinha muitos números, dados, fontes de
informação, mas não conseguira verter no ensaio aquele sentimento que me
tocava, e foi aí que decidi escrever um romance”, contou.
“Aprendemos que o
importante são os factos, mas com o passar dos anos, aprendi que os factos só
por si não são o suficiente, é importante a nossa visão sobre o assunto”,
realçou.
A personagem
Dita, protagonista do romance, “é um misto de Pipi das Meias Altas e, ao mesmo
tempo, dotada de uma grande determinação de como escapar aos nazis".
"Ela dá-nos a perspetiva de que há sempre uma esperança, uma pequena
escapatória, uma luz ao fim do túnel”.
Antonio Iturbe
reconhece que a personagem é fruto da forma como olha para Dita, "uma
mulher de uma grande integridade, muito enérgica - guia o seu carro, joga às
cartas com as amigas, com uma curiosidade voraz e atualmente pugna pela edição
no seu país natal, a República Checa, das obras do marido". "Ela
continua a lutar pelos livros”, destaca o escritor.
Iturbe, de 46
anos, é jornalista há 20, tendo sido coordenador do suplemento televisivo de El
Periódico, redator da revista de cinema Fantastic Magazine. Trabalha há 17 anos
na revista Qué Leer, de que é atualmente diretor. Publicou já dois romances e é
autor de uma série de livros infantis, também editada em Portugal, com títulos
como "O visitante noturno" e "Um dia nas corridas",
protagonizada pelo Inspetor Zito.